Há milhares de anos o azeite de oliva é uma valiosa companhia dos alimentos à mesa. Seja no cozimento, no preparo ou na finalização, o óleo extraído da azeitona combina suas principais características às dos ingredientes, realçando o aroma, o sabor e a textura do prato a ser degustado.Para isso, a seleção do tipo de azeite mais apropriado para cada prato é fundamental.
“A harmonização do azeite pode ser considerada ainda mais difícil do que a do vinho. A relação do vinho com a comida é uma degustação alternada. É um acompanhamento para o prato. No caso do azeite, é uma degustação simultânea, já que é parte do mesmo prato”, contextualiza o especialista Paulo Freitas, que realiza eventos de degustações de azeites pela empresa Casa de Marketing.
Já Isaac Azar, proprietário do Paris 6, ressalta também que a harmonização do azeite se faz sempre por complemento (concordância) e não por contraste. “Isso vem da cultura mediterrânea. Na culinária asiática, por outro lado, trabalha-se muito com o contraste: um peixe delicado é servido com shoyo e wasabi. É o estilo oriental de harmonizar”.
Antes de escolher o azeite ideal para harmonizar com o pratos, Isaac relembra as características do azeite extra-virgem. “Por não ser refinado, o azeite, o suco da azeitona, mantém as características da fruta. Ele tem aroma, paladar e tato. No nariz, ele pode variar a intensidade do frutado. Essa característica tem muito a ver com as condições climáticas até o momento da colheita, o chamado terroir. Na boca, a variável é o amargor e, na garganta, o picante, que se intensifica de acordo com a presença de polifenóides, os famosos antioxidantes.”
Cozimento
Quando o azeite é utilizado na preparação de um prato quente, perde um pouco de suas características. “Mas ele tem uma vantagem importante sobre os óleos refinados: o ‘ponto de fumaça’ mais alto”, explica Isaac, assaggiatore (diplomado pela Organizzazione Nazionale Assaggiatori Olio di Oliva, na Itália – link) e restaurateur. A maioria dos óleos tem ponto de saturação mais baixo e queimam a 180º. Os azeites de oliva chegam a 220º e, por isso, queimam os alimentos mais lentamente.
Finalização
Paulo Freitas segue a metodologia de harmonização desenvolvida em 2006 pela Universidade de Bologna, Itália, que consiste de quatro regras básicas:
Primeira regra
Alimentos marcados pelo sal (curados), por aromas fortes (peixes, queijos, cogumelos e crustáceos) e por especiarias deveriam ser preparados e finalizados com um azeite frutado, sendo que o frutado do azeite deve ser proporcional à intensidade do próprio alimento. Ou seja, quanto mais curado, mais aromático ou mais carregado de especiarias for a comida, mais frutado deve ser o azeite utilizado. Quando o sal, o aroma ou as especiarias forem de razoavelmente perceptíveis a muito perceptíveis, pode-se utilizar azeites com uma nota picante, que produzam uma sensação de queima na garganta. Já os alimentos em que o sal, os aromas e as especiarias forem sutis podem ser facilmente obscurecidos por um azeite com notas picantes.
Segunda regra
Alimentos marcados pelo sabor amargo devem ser equilibrados com azeites verdes, ou seja, jovens, frescos e frutados, que normalmente vêm acompanhados de características picantes. Exemplos de alimentos amargos: fígado, alcachofra, radicchio, berinjela e costeletas de porco grelhada. O amargo que vai do razoavelmente perceptível ao muito perceptível suporta também um azeite amargo, obtido de azeitonas verdes ou em processo de mudança de cor. É uma regra de concordância. “Um pizza de escarola combina bem com um azeite mais intenso”, diz Paulo. Entrentanto, o amargo sutil de uma alface não admite amargor no azeite; ao contrário, ela pede o atributo doce de um azeite suave.
Terceira Regra
Alimentos doces (massas, crustáceos, sobremesas, entre outros) e gordurosos (queijos, carnes etc) devem ser harmonizados com azeite também com notas doces, maduro. Portanto, um azeite mais suave.
“As três primeiras são regras de concordância, ou seja, procura-se no azeite o mesmo atributo dominante no prato. E o princípio da proporcionalidade é válido para os três casos: quanto mais forte for o atributo no alimento mais forte deverá sê-lo no azeite também”, lembra Paulo Freitas.
Quarta Regra
A única harmonização com base na discordância é válida para alimentos ácidos (laticínios, tomates, vinagres e cítricos). Deve-se balancear o sabor ácido de uma preparação à percepção de doce do azeite.
Intensos x delicados
“Os azeites mais delicados, por sua vez, têm maior cremosidade do que força. São menos picantes e amargos, mas experimentamos com eles uma sensação de maior densidade, apesar de ela ser a mesma. Esse azeite é ideal para pratos que pedem cremosidade, como um risoto de parmesão. Ele é bem mais raro e é produzido em regiões mais setentrionais da Europa: no norte da Itália ou no sul da França, por exemplo”, afirma o especialista.
No Brasil, a rede de supermercados Pão de Açúcar comercializa um dos poucos azeites realmente delicados do mercado brasileiro, o italiano Cremonini Riveira de Ligure, com denominação de origem protegida. “Um chef aqui do Paris 6 estava fazendo um prato com salmão (foto) e veio comentar comigo que o azeite que ele estava usando para finalizar estava matando o sabor do peixe. Propus que ele colocasse esse azeite mais delicado e o prato mudou completamente, ficou muito melhor”, exemplifica Isaac.
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